Nesta sexta-feira (09/07), lá se foi mais uma de nós. Roberta da Silva, 32 anos, mulher trans moradora de rua teve 40% do corpo queimado por um adolescente, no Centro do Recife, enquanto dormia perto do Terminal de Ônibus do Cais de Santa Rita, em 24 de junho. Hoje, por volta das 9h, ela não resistiu à falência respiratória e renal e veio a óbito. A equipe médica da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) realizou hemodiálise, após o quadro de saúde dela se agravar, mas a paciente não reagiu.
O que faz um adolescente jogar álcool e atear fogo numa mulher trans? Ele foi apreendido em flagrante pelo crime, mas não pode ser o único a ter culpabilidade por este crime. A sociedade em geral possui um instinto natural de extermínio da população de travestis e transexuais ao cultivar um aprendizado machista que promove a transfobia exclui, apaga e violenta vidas fora da cisnormatividade.
Os assassinatos de pessoas trans evidenciam o desprezo aos nossos corpos, às nossas vidas. No caso de Dandara, por exemplo, além das agressões físicas, foram bem relatados os inúmeros insultos verbais, que demonstram a motivação pelo discurso de ódio. Isso só comprova a face ideológica do discurso transfóbico, assim como foi no caso da nossa irmã Roberta, em Recife.
O discurso cisnormativo, que insiste em categorizar a transmasculinidade e transfeminilidade como algo patológico ou pecaminoso, tem reflexo direto nesses casos de assassinatos. Somente em 2019, a transexualidade deixou de ser apontada como um transtorno psiquiátrico pela Organização Mundial da Saúde (OMS), uma reivindicação de anos de pessoas travestis e transexuais. Considerar as vivências de gênero trans enquanto transtorno ou patologia psiquiátrica, além de desumanizar nossos corpos, traz implicações práticas de violações de direitos em nossas vidas, como direito à autonomia do corpo. Isso se soma ao discurso religioso, do qual parlamentares de bancadas conversadoras se apropriam.
A reiteração da cisheteronormatividade e da transfobia por meio da exclusão social é a raiz do processo de vulnerabilidade, fragilização e precariedade dos vínculos sociais das pessoas trans. Somos condenados desde a adolescência a viver à margem da sociedade, que não quer enxergar nossas vidas na educação e, consequentemente, impede nossa participação parcial ou integral na vida social. Essa exclusão ocasiona nossa invisibilidade aos meios de comunicação e causa a morte de nossos corpos de formas bárbaras, como acontece com Robertas, Dandaras, Theos…
Adeus a mais uma vida de uma mulher nordestina e trans vítima deste “cistema” social que envergonha nossa nação para o resto do mundo.
Tathiane Araujo
Presidenta da Rede Trans Brasil